quarta-feira, 18 de abril de 2012

Travessuras da Menina Má

"-Posso saber por que me procurou?
- Queria ver você e conversar um pouco - disse, sorrindo outra vez. - Estava com saudades. Você também estava, pelo menos um pouquinho?
- Você sempre reaparece e me procura no intervalo entre dois amantes - respondi, ainda tentando me livrar da sua mão. Desta vez consegui. - O marido de Marine largou você? Veio descansar nos meus braços até que o próximo velhote caia na sua rede?
- Não - interrompeu, segurando de novo a minha mão e falando no tom zombeteiro de antes. - Resolvi acabar com as minhas loucuras. Vou passar meus últimos com o meu marido. Sendo uma esposa modelo.
Comecei a rir e ela também. Arranhava minha mão com seus dedinhos e eu sentia cada vez mais vontade de arrancar-lhe os olhos.
- Você tem um marido? Posso saber quem é?
- Ainda sou sua mulher e posso provar, tenho as certidões - disse, com o rosto sério. - Você é o meu marido. Não lembra mais que nos casamos na mairie do cinquième?
- Foi uma farsa, só para conseguir os documentos - recordei. - Você nunca foi realmente minha mulher. Ficou comigo umas temporadas, quando estava com problemas, enquanto não conseguia coisa melhor. E quer me dizer de uma vez por todas para que me procurou agora? Porque, se estiver com problemas, eu não poderia ajudá-la nem se quisesse. Mas não quero. Não tenho um tostão, e moro com uma moça que amo e que me ama [...] Sabe de uma coisa, menina má? - disse atraindo-a um pouco para poder falar em voz bem baixa, com toda a cólera que tinha acumulado. - Lembra daquela noite, no apartamento, quando estive a ponto de apertar o seu pescoço? Lamentei mil vezes não tê-lo feito.
- Ainda guardo aquele vestido de bailarina árabe - sussurrou, co toda a malícia que ainda tinha. - Lembro muito bem daquela noite. Você bateu em mim e depois fizemos amor bem gostoso. Você falou umas coisinhas muito bonitas. Hoje ainda não me disse nenhuma. Estou quase acreditando que realmente não me ama mais.
Tive vontade de esbofeteá-la, de expulsá-la do Bar Barbieri aos pontapés, de causar-lhe todos os danos físicos e morais que um ser humano pode causar em outro, e ao mesmo tempo, grande imbecil, tive vontade de abraçá-la, perguntar por que estava tão magrinha e abatida, acariciá-la e beijá-la. Ficava de cabelo em pé só de imaginar que pudesse ler meus pensamentos.
- Se quiser que eu reconheça que agi mal com você e fui muito egoísta, reconheço - sussurrou, aproximando o rosto, mas eu afastei o meu. - Se quiser que passe o resto da vida dizendo que Elena tem razão, que maltratei você e não soube valorizar o seu amor e todas essa bobagens, está bem, faço isso. É o que você quer para esquecer as mágoas, Ricardito?
- Quero que você vá embora. Que desapareça da minha vida de uma vez por todas, para sempre.
- Puxa, uma breguice. Já era hora, bom menino.
[...]
- Você é a pessoa mais perversa que já conheci, menina má. Um monstro de egoísmo e insensibilidade. é capaz de apunhalar com frieza as pessoas que melhor a trataram.
 - Bem, talvez seja mesmo - admitiu. - Mas também levei muitas punhaladas da vida, acredite. Não me arrependo de nada. Bem, exceto ter feito você sofrer. Agora resolvi mudar. Por isso estou aqui.
Ficou me olhando com uma cara de mosquinha morta que me irritou ainda mais.
- Eu sou gato escaldado. Acha que vou levar a sério esse teatrinho de esposa arrependida? Logo você, menina má?
- É, sim, logo eu. Vim porque amo você. Porque preciso de você. Porque não posso viver com ninguém que não seja você. É um pouco tarde, mas agora sei. Por isso, de hoje em diante, mesmo que passe fome e tenha de viver feito uma hippie, vou viver com você. E com ninguém mais. Gostaria que eu virasse uma hippie e deixasse de tomar banho? Ou me vestisse como aquele espantalho com quem mora? O que você quiser, eu faço.
[...]
- Preciso que você assine alguns papeis - disse a menina má, apontando para a pasta que tinha deixado no chão.
- O único papel que eu assinaria seria de divórcio, se esse casamento ainda valesse - respondi. - Conhecendo você, não me surpreenderia se se me fizesse assinar alguma embrulhada e eu acabasse na cadeia. E conheço você há quarenta anos, chilenita.
- Conhece mal - disse ela, muito tranquila. - Talvez eu até possa fazer maldades com outros. Mas com você, não.
- Pois fez as piores maldades que uma mulher pode fazer com um homem. Porque me fez acreditar que me amava, enquanto seduzia outros homens com a maior tranquilidade do mundo, só porque tinham mais dinheiro, e me largava sem o menor peso na consciência. Não foi uma vez, foram duas ou três. E sempre me deixava destroçado, atônito, sem ânimo para fazer nada. E ainda tem o atrevimento de voltar, mais uma vez, para dizer com a cara mais cínica do mundo que quer morar comigo de novo. Para ser sincero, parece um número de circo.
- Estou arrependida. Nunca mais vou fazer nenhuma maldade com você.
- Não vai ter oportunidade, porque nunca mais vamos morar juntos. Ninguém a amou tanto como eu amei, ninguém fez tudo o que eu... Bem estou me sentindo um idiota falando essas coisas. O que quer de mim?
[...]
Então, antes que eu pudesse impedir, enlaçou meu pescoço com os braços e se prendeu a mim com todas as forças.
- Pare de brigar comigo e de me dizer maldades - protestou, enquanto me beijava no pescoço. - Diga que está contente de me ver. Diga que sentiu saudades de mim e que me ama, não a essa hippie com quem mora neste chiqueiro.
Eu não tinha como afastá-la, aterrorizado ao sentir o esqueleto que era o seu corpo, sua cintura, suas costas, seus braços, em que todos os músculos pareciam ter desaparecido, um corpo só de pele e ossos. A frágil, delicada pessoinha que se apertava contra mim exalava uma fragrância que me fazia pensar num jardim cheio de flores. Não pude continuar disfarçando.
- Por que está tão magrinha? - perguntei no seu ouvido.
- Diga primeiro que me ama. Que não ama essa hippie, que foi morar com ela só por despeito, porque larguei você. Diga. Desde que soube que estava com ela, fiquei morrendo de ciúmes.
Eu sentia agora seu pequeno coração, pulsando contra o meu. Busquei sua boca e a beijei, longamente. Senti sua linguinha enredada na minha e engoli sua saliva. Quando pus a mão por baixo da blusa e acariciei suas costas, senti toda a coluna vertebral como se uma ínfima película de carne as separasse dos meus dedos. Não tinha seios; seus mamilos, diminutos, ficavam no nível da pele.
- Por que está tão magrinha? - tornei a perguntar. - Esteve doente? O que houve?
- Não posso fazer amor com você, não toque aí. Fui operada, tiraram tudo. Não quero que me veja nua. Estou com o corpo cheio de cicatrizes. Não quero que tenha nojo de mim.
Estava chorando de desespero e eu não conseguia acalmá-la. Então sentei-a no meu colo e a acariciei por muito tempo, como costumava fazer em Paris, durante seus ataques de medo. Sua bundinha também havia encolhido, como os peitos, e suas coxas eram tão finas quanto os braços. Parecia um daqueles cadáveres vivos que aparecem nas fotografias de campos de concentração. Eu a acariciava, beijava, dizia que a amava, que cuidaria dela e, ao mesmo tempo, sentia um terror indescritível, porque tinha certeza absoluta de que ela não havia estado grave, sabia que estava grave agora, e que muito em breve iria morrer. Ninguém podia emagrecer daquele jeito e depois se recuperar.
- Ainda não me disse que me ama mais que a essa hippie, bom menino.
- É claro que amo você mais que a ela ou qualquer outra pessoa, menina má. Você é a única mulher no mundo que amei e que amo. E, embora tenha feito maldades comigo, também me deu uma felicidade maravilhosa. Vamos, quero sentir você nua nos meus braços e fazer amor.
[...]
- Eu não queria que me visse assim nem que sentisse nojo da sua mulher - disse ela. - Mas...
- mas eu a amo e vou cuidar de você até ficar completamente curada. Por que não me chamou, para fazer companhia?
- Não encontrava você em lugar nenhum. Estou procurando há meses. Era isso o que mais me desesperava: morrer sem tornar a vê-lo.
[...]
Durou mais 37 dias, durante os quais se comportou, como tinha jurado no Bar Barbieri, como uma esposa modelo. Pelo menos, enquanto as dores terríveis não a mantinham na cama, sedada com morfina. Fui morar com ela no apart-hotel de Los Jerónimos onde estava hospedada [...] Durante duas semanas, ela passou tão bem, parecia tão contente que, contrariando toda lógica, pensei que podia se recuperar. Uma tarde, sentados no jardim, ao crepúsculo, ela me disse que se algum dia eu pensasse em escrever a nossa história de amor, não a deixasse muito mal, senão o seu fantasma viria me puxar os pés todas as noites.
- E por que pensou isso?
- Porque você sempre quis ser escritor, e nunca teve coragem. Agora que vai ficar sozinho, pode aproveitar, assim esquece a saudade. Pelo menos, confesse que lhe dei um bom material para escrever um romance. Não foi, bom menino?"

LLOSA, Mario Vargas. Travessuras da Menina Má/ Mario Vargas Llosa; tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht. - Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.