terça-feira, 21 de setembro de 2010

Amores que nos fazem mal...

"Que fizemos de errado ? O que está errado conosco ? Será que imaginamos coisas ? Passar do calor ao frio nos mantém presos ao relacionamento, pois ficamos ligados pelo amor e pela angústia. Apegamo-nos a esse amor, tentando compreendê-lo. Aí está o erro, pois não há nada a compreender além da vontade de destruir.
Em lugar de manter uma distância saudável, nos acabrunhamos. Passamos a acreditar que esse relacionamento tão ruim é culpa nossa. Os perversos narcisistas conseguem sacudir as bases de nossa confiança, brincando de ioiô com nossos sentimentos, ficando ora próximos, ora distantes. Conseguem nos culpar através de suas reações imperceptivelmente hostis. E quantas noites passamos em branco examinando a situação de todos os ângulos, pensando que os fracassos são nossa culpa ? Não deveríamos ter questionado tanto. Não deveríamos ter ido para a cama logo no terceiro encontro. Não deveríamos ter telefonado tanto e, sobretudo, não deveríamos ter confessado que os amávamos tanto.
Acabamos vítimas de tormentos obcecados: "Por que ele disse isso ? E por que fez aquilo ? Entendi errado ou ele disse isso mesmo ?" Tentando compreender, repassamos os fatos sem cessar, os gestos, as palavras. E quando acreditamos ter entendido, uma nova cena teatral vem abalar nossas certezas.
[...]Apesar disso, falta no quadro a descrição do tormento moral. Alguns parceiros são mais complexos: dominadores e incapazes de amar, sem serem necessariamente perversos. O perverso é uma caçador que trabalha pela morte psíquica da vítima, uma vítima que ele não larga. Cada ato, cada frase é parte de uma estratégia de destruição.
De uma forma ou de outra, os golpes são desferidos incessantemente, embora a perversidade do parceiro seja reconhecida sobretudo devido aos sintomas da vítima: ansiedade, depressão, insônia, dependências, anorexia-bulimia, doenças psicossomáticas, acidentes, etc. Além da confusão, mal-estar, perda de confiança em si, dúvidas, desejo de morrer.
Antes de nos envolvermos com um perverso, temos uma clara consciência de nós mesmos, do sentido da vida, das relações com os outros. Depois, não sabemos mais quem somos. Não temos mais certeza de mais nada. Todas as certezas sobre o amor, a amizade, as relações humanas evaporam, e nos sentimos sós, abandonados, sujos e maus.
Afinal, o prazer supremo do perverso é transformar a pessoa dócil em violenta ou a confiante em ciumenta, a pacifista numa assassina, um homem ou uma mulher equilibrados em suicidas.
[...]Todos esses métodos visam deixar o parceiro sem referência, para manipulá-lo e poder mantê-lo numa espécie de prisão invisível. Os perversos, sob diversos pretextos, frequentemente cortam os elos da vítima com o exterior, preferindo que a mulher não trabalhe, armando intrigas para até os amigos e a família se afastarem.
Implicantes e sem escrúpulos, os perversos não abrem mão de uma armação, de um escândalo, de abusar da confiança alheia, e não hesitam em usar parentes, amigos, filhos como aliados.
[...]Para escapar ao sistema perverso é preciso afirmar com firmeza: "Eu sou assim. Sou desse jeito !" Em seguida, desmascarar esse megalômano que pretende nos conhecer melhor que nós mesmos.
[...] Os perversos aspiram fazer de nós "sua propriedade", não para nos elevar, mas para nos rebaixar, como o anjo caído arrastando-nos em sua queda. O objetivo, com efeito, consiste em nos despojar de todas nossas facetas boas e belas, ou seja, nossas qualidades humanas, morais, relacionais e criativas, assim como de nossos talentos, que esses monstros frios invejam. Eles vencem quando perdemos a alegria de viver, quando nos tornaram seres dignos de pena. Sua confusão de crenças, de culpabilização, de pseudovalores nos faz perder a dignidade. Como ele mentia incessantemente sobre as inúmeras amantes e como brincava com seu ciúme fazendo-a escutar falsas mensagens na secretária eletrônica, Míriam, envergonhada mas decidida, começou a remexer nas coisas dele: 'Bem lá no fundo, eu me achava uma puta, pois usava meias e cinta-liga. Que eu era superficial, pois só pensava em minha lingerie. Que eu era um capacho, já que ele me tratava pior que a um cachorro. E também ciumenta, má, pois só pensava em me vingar. Eu não percebia que essas falhas, essas 'taras', eram fruto de seu comportamento. Eu achava que se tratasse de meu 'eu profundo e inconfessável'. Ora, eram apenas reações legítimas de sobrevivência diante da violência, ódio e humilhações.'
A literatura especializada descreve os perversos como pessoas glaciais, insensíveis à dor física e também à dor moral. De frieza extrema, seriam incapazes de experimentar o sentimento de luto que atinge a todos os que são abandonados, por exemplo. Se os observarmos bem, perceberemos que sentem uma espécie de ódio e ressentimento, mas jamais tristeza. Quando a vítima, exausta, enfim escapa de suas garras, tanto podem persegui-la para atormentá-la ainda mais pelo prazer da caça como podem esquecê-la imediatamente.
[...]E como escapar dessa cilada que golpeia terrivelmente nossa identidade, afinal ? As vítimas de repente se dão conta que foram tratadas não como seres humanos dignos de respeito, capazes de sofrer e de sentir, mas como 'coisas', e que foram achincalhadas, intimidadas, usadas. E a vergonha que sentem cria um sentimento de solidão terrível: falar sobre isso com quem ?"

(DELAHAIE, Patricia. Amores que nos fazem mal. São Paulo: Larousse do Brasil. 100-106).

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